“A arte pública, pills como a entendemos hoje, malady se baseia não só no princípio do trabalho pensado para o espaço público de livre entrada, mas como uma arte que interage com o espaço público urbano (ao ar livre ou não), com seu contexto histórico, sociopolítico e cultural, produzida com o pensamento voltado para comunidade…” (Herbert Rolim, 2009, p.5).

Sem ter o objetivo de se deter nas discussões a respeito da arte pública relacional ou da arte ativista, essa carta se propõe, além de apresentar nossas próximas atividades, um agradecimento, antes disso, àqueles que foram público, participantes ou, o que se entender desses desdobramentos, da Exposição/Ocupação Rádio-Arte: Memórias e Resistências, realizada na Galeria Antônio Bandeira, em Fortaleza-CE, entre os dias 14 de fevereiro a 17 de março de 2012.

Durante 30 dias procuramos criar, além de registros fotográficos e audiovisual do nosso trabalho, nesse nosso um ano e meio de existência, o principal: uma estação de rádio experimental dentro de uma galeria de arte. Como se podia observar no texto de abertura da exposição, acreditamos que pelo fato de não termos tido uma justiça de transição consolidada pós-ditadura civil-militar, ou seja, de estarmos ainda inseridos num regime democrático prematuro – uma “democradura” – diversas questões precisariam e precisam serem afetadas e questionadas, porque não, pelos artistas: a criminalização da pobreza (grupos de extermínio, práticas de torturas), a criminalização dos movimentos sociais com assassinatos de pessoas que lutam pelos seus direitos, a falta de justiça aos golpistas da ditadura e também a falta de democracia nos meios de comunicação – hoje, infelizmente, vivemos no Brasil ainda sob currais oligárquicos que ditam o que devemos pensar, fazer e criar: segundo o Jornal Brasil de Fato, cerca de dez famílias no Brasil contralam mais de 80% dos meios de comunicações. (Ver também o excelente sítio donosdamidia.com.br)

Tendo como aspecto esses pontos levantados acima, que extrapolam a mera análise da “preocupação social”, nos reconhecemos como um coletivo que é transversalizado tanto por essa perspectiva da arte pública na vertente da intervenção urbana, como também pelo que se entende por arte política, ou melhor, arte ativista, em que essa pretende quebrar o confortável consenso da arte representativa e passar para o campo de conflitos da vida cotidiana. É dizer, mais do que uma estetização da política, pretendemos uma politização da estética, apontando para aquilo que o filósofo Rancière definiu como a “partilha do sensível”.

Sem nos alongar mais nessas discussões, que poderão ser encontradas no nosso catálogo, brevemente disponível em meio impresso e eletrônico, mencionaremos aqui, sucintamente, as participações/interações ocorridas nesses maravilhosos dias. Pedimos um pouco de paciência ao leitor para uma apresentação, em ordem cronológica de participação, de todos os coletivos, grupos, indivíduos, ex-presos políticos, familiares de desaparecidos políticos, movimentos sociais e bandas. Mencioná-los, além de um processo de lembrança, é pra gente nossa singela maneira de agradecer.

Agradecemos de coração a participação do Coletivo Político Quem-SP, Carlos Latuff-RJ, Grupo de Arte Callejero-ARG, Fluxo Coletivo, dos cerca de vinte participantes da Oficina de Rádio Alternativa, a Oswald Barroso, Dead Leaves, Gambiarra, Júlio Lira, Tito de Andréa, Zé Maria, Eugênia Siebra, Lourdes Vieira, Breno Moroni, Revista Reticências Crítica de Arte, Emanuel, Herbert Rolim e turma, Tânia Gurjão, Pedro Albuquerque (Comitê Estadual de Prevenção e Combate a Tortura), Mário Albuquerque (Associação Anistia 64-68), Sandra Helena de Souza, Lúcia Alencar (Instituto Frei Tito), Dança no Andar de Cima, Jersey (Movimento de Luta e Defesa pela Moradia), Thiago Roniere (Organização Resistência Libertária), Dimitri Nóbrega, Fernanda Meireles, Uirá dos Reis, Thais de Campos, Eduardo e Ivo lopes, Inácio e Ivânia (Projeto Ciclovida), João Paulo Viera, Victor, Washington Hemmes (Revista Baque), Thiago Arrais (Movimento Todo Teatro é Político), Paulo Rodrigues, Teatro Imaginarium, Deveras, Wanessa Araújo e todos aqueles que nos visitaram e aos quais não fizemos referências aqui.

Além desses participantes, queremos agradecer também às Escolas que nos visitaram – foram ótimas experiências, principalmente porque muitos dessas realizavam projetos de Rádio dentro da própria instituição. Pudemos em alguns momentos trocar ideias, informações, e contar com breves apresentações de estudantes e professores. Finalmente, nossos agradecimentos também aos excelentes profissionais da Galeria Antônio Bandeira: a diretora Mariana Ratts, as educadoras Ana Raquel e Thaís Paz. Sem essa equipe, com certeza, nossa Exposição/Ocupação não teria sido tão produtiva: uma das mais visitadas da galeria, passando a marca de mil visitantes (a mesma média de visitantes das exposições do Salão de Abril).

Para nós, essa Exposição/Ocupação foi algo que ainda estamos ruminando, processando e vivendo. Por mais que nesse pequeno texto não possamos fazer um recorte mais preciso do que foi aqueles momentos – pretendemos fazer esse recorte em outras ocasiões – ficam as sensações, lembranças e memórias que muitas vezes falam mais do que as palavras. Prometemos, nesse sentido, uma maior reflexão a respeito dessa nossa série de trabalhos sobre rádio como também os registros das atividades desenvolvidas: não tivemos tempo ainda de disponibilizar todos os materiais no site, mas em breve o faremos.

Rumo ao horizonte utópico

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.
Fernando Birri (citado por Eduardo Galeano)

No dia que escrevemos essa carta, preparamos nossas malas para a concretização de um sonho e um projeto a ser realizado além das fronteiras do Ceará, entre os dias 12 de abril a 6 de maio de 2012. O projeto, inscrito e aprovado ano passado, foi contemplado no 8° edital do Programa Nacional Funarte de Artes Visuais (intercâmbio regional): a ideia é que realizemos algo similar à exposição na Galeria Antônio Bandeira (exposição, transmissão e oficinas), mas, dessa vez com um caráter de trocas de experiências a ser realizado em locais diferentes: tanto na cidade berço dos movimentos de rádios alternativas do período da redemocratização e da atualidade – Campinas-SP – como também em uma das cidades palco de um dos maiores movimentos de resistência à ditadura civil-militar (A Guerrilha da Araguaia) em Marabá-PA.

No mês que se completa 40 anos de aniversário da Guerrilha do Araguaia iremos para o olho do furacão movidos por uma utopia: procurar as centenas de mortos e desaparecidos políticos. Curiosamente, em 12 de abril de 1972, mesmo dia e mês que partiremos de Fortaleza, cerca de 70 guerrilheiros, munidos do direito à resistir a um governo arbritário e ditatorial, lutaram pela insígna de que toda ação contra um governo ilegal é uma ação legal. A mobilização desses jovens e adultos, alguns até mais novos que a gente, deslocou um efetivo de cerca de 10 mil militares para a região: o resultado são os desaparecimentos de mais de 60 corpos. O Brasil paga um preço por isso: a condenação na Corte Interamericana por não apuração no ocorrido. Ou seja, responde por crimes de lesa humanidade não somente aos combatentes, mas também a uma centena de camponeses e indígenas aderentes às resistências ao governo ditadorial.

Como artistas, buscamos um sonho, um utopia, a partilha sensível desses corpos desaparecidos que cheiram a terra e que parecem gritar por baixo dela. Essas vozes silenciadas e esse chamado vindo da selva amazônica, que é o mesmo dos Chico Mendes, Dorothy Stangs da vida e outros tantos anônimos caidos, faz perder nosso sono, nos traz angustia e nos faz gritar de volta e nos alçarmos numa guerrilha artística-psíquica, ou literalmente, ao que iremos fazer, a uma guerrilha de vozes, de músicas e de radiofrequências livres. Que nos aguardem todos aqueles que comemoram golpes militares, todos os conservadores moralistas, toda a extrema direita brasileira covarde que oculta cadáveres, mata na surdina e criminaliza os protestos: nós não sossegaremos nem descansaremos enquanto não encontrarmos nossos mortos e desaparecidos políticos. Que venha arte e resistência! Campinas e Marabá nos aguardem, vamos tomar os céus de assalto pelo direito à memória, justiça, verdade e…ao sonho.

Eles passarão, nós passarinho!
Os Aparecidos Políticos, Fortaleza 12 de Abril de 2012

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